A cada ano vemos iniciativas do tipo “limpe seu nome”. Elas são originárias dos bancos, das financeiras, administradoras de cartão e do varejo em geral, que busca soluções para o crediário a descoberto. Trata-se de um mutirão em que profissionais são deslocados, geralmente para um local amplo, e as negociações são as mais absurdas possíveis. Dívidas de R$ 4 mil são liquidadas por pouco mais de R$ 100. Mas não se engane, nada disso é bondade dos credores: há um estudo muito bem embasado autorizando esses valores. E saiba: receber uma proposta como essa só vem depois de anos de sofrimento, preocupação e restrições. Existe método em tudo isso.
Recentemente tivemos em Porto Alegre mais uma edição desse encontro de interesses. Diego Ramos, gestor de crédito e cobrança do CDL-Porto Alegre afirma: “só no primeiro dia tivemos mais procura que toda a edição de 2021”. E não é para menos: o último número oficial sobre os inadimplentes no Brasil cravava 64,2 milhões de pessoas. Há informações de que, como resultado da pandemia, esse número se aproximou perigosamente dos 68 milhões. Inadimplente é aquela pessoa que possui dívida não paga há mais de 90 dias. É um exército de brasileiros impedido de tomar crédito.
Para entender melhor por que esses encontros se repetem sem nunca se observar melhora de um ano para o outro, vamos listar alguns problemas relacionados com o formato desses eventos:
- As propostas oferecidas: geralmente as que vão para a mesa são aquelas apresentadas pelo credor, seja ele banco, financeira ou administradora de cartão. E as pessoas se submetem a elas. Inicialmente podem parecer interessantes, mas é preciso ter cuidado;
- O desconhecimento por parte do devedor: problema fundamental em qualquer renegociação. O devedor é alguém que sabe comprar (às vezes mal). Também sabe se endividar. Não tem noção mínima de como funciona o sistema de juros compostos e os danos que isso provoca. Assim, uma proposta “embalada para presente” pode ser aceita com mais facilidade;
- O desvio do foco: a desinformação do devedor faz com que ele se fixe na variável que lhe parece mais atraente: o famoso “quanto eu vou pagar por mês”? Ou seja, na parcela. Isso o faz desviar da taxa de juros, que é justamente o que causa desconforto e lhe inviabiliza. Outro ponto importante a ser considerado: para reduzir o tamanho da prestação o devedor deverá se submeter a um prazo maior de pagamento. É uma equação da qual não dá para escapar;
- A ânsia por resolver ESSE problema: talvez o maior perigo numa negociação desse tipo. Com o foco voltado naquela dívida em particular e com a concordância do credor em “receber menos”, invariavelmente as pessoas tendem a esquecer que possuem gastos regulares com sua manutenção, bem como os outros compromissos já assumidos. Também nem lhe passa pela cabeça que possa surgir alguma eventualidade durante o período de pagamento da renegociação. Ele concorda prontamente com tudo e parte para a liberação do seu CPF.
Momentaneamente, sua situação perante o crédito volta a ser normal. Basta pagar a primeira parcela da renegociação que o credor tem obrigação de retirar o nome do devedor dos serviços de proteção ao crédito. Mas aí, qual a primeira decisão do mais novo “nome limpo” da praça? Volta a comprar. A prazo. Afinal, agora ele está apto a contratar novas operações. E será questão de tempo ele retornar à condição de inadimplente. Trata-se de um ciclo vicioso.
Lamentavelmente, é isso que vemos ano após ano. Os números são prova disso. Sem educação financeira, sem conhecimento de como funciona o sistema e sem mudança de mentalidade, nada feito. A economia de um país não pode se considerar saudável quando quase metade da população economicamente ativa tem problemas de crédito. Um contingente desse tamanho de impedidos de comprar a prazo é o pesadelo de qualquer empresário. E o quadro de terror se completa com as absurdas taxas de juros praticadas. É a famosa ‘precificação do risco’: o bom pagador tem que assumir as altas taxas de mercado por conta dos inadimplentes.