Na ânsia de arrecadar, o governo, através do Ministério da Fazenda, começa a botar sobre a mesa alguns monstrengos duros de engolir. Um deles chama-se “Programa Litígio Zero”. Veremos que apesar das explicações adocicadas do ministro Haddad, trata-se de mais uma bofetada no brasileiro que luta para manter suas obrigações em dia.
A ideia original não tem nada de nova: renegociação de dívidas de pessoas físicas e empresas. Segundo dados do governo, havia um estoque de processos de mais de R$ 1 trilhão a receber até outubro de 2022. Absolutamente todos os últimos governos tentaram essa mesma estratégia para melhorar seu caixa, com resultados aquém do esperado. O motivo parece óbvio: com mais de 78 milhões de CPFs negativados e outros 5 milhões de CNPJs na mesma condição, parece elementar que regularizar a situação com o governo se torna uma decisão que será empurrada para o final da fila de prioridades.
O problema maior vem da proposta imaginada pelo governo: descontos generosos e prazo de até 12 meses para pagamento. Inicialmente uma boa oferta, mas que embute um critério extremamente injusto. Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, o desconto seria de 40% a 50% do valor total da dívida, incluindo o tributo que originou o passivo, além de juros e multa. Essa condição valeria para débitos até 60 salários-mínimos (R$ 78.120,00). Num primeiro momento parece uma proposta tentadora, e é. Tentadora para quem deve. Para aquele se esforçou para se manter em dia é uma ofensa. Imagine que você tenha um imposto federal em atraso no valor de R$ 2.500 que, acrescido da multa, juros e outros penduricalhos depois de uns cinco anos, hoje estivesse sua dívida atualizada na casa dos R$ 4 mil. No plano do governo, esse devedor liquidaria sua obrigação – em até 12 vezes – por R$ 2 mil (R$ 1.250 do imposto e mais R$ 750 dos acessórios, 50% de desconto). Quem pagou no vencimento teve que desembolsar R$ 2.500,00. Percebem a injustiça?
Convencionou-se aplicar no Brasil a ideia de que se você não pagar suas obrigações em dia, lá na frente é praticamente certo que obterá uma condição vantajosa para liquidar o que deve. É a cultura do “levar vantagem”. Prefeituras (com o IPTU), governos estaduais (com o IPVA) e o governo federal são mestres em desincentivar a preocupação com a adimplência. Quando o fluxo de caixa aperta, lá vem eles com essas propostas estapafúrdias. É por isso que vemos gente devendo o que não vai mais conseguir pagar. É por isso que temos empresários que se apoderam do direito ao FGTS dos seus funcionários, aplicam esses recursos no mercado financeiro e, quando exigidos pela fiscalização, fecham um acordo totalmente vantajoso para eles. É o método de ganhar dinheiro com o dinheiro dos outros.
Talvez seja esse o motivo de vermos o Brasil eternamente patinando na premissa de que somos “o país do futuro”. Com essa mentalidade, um futuro que nunca chegará. Nosso problema é cultural, e começa no primeiro escalão.